Pepe: “Quero que me recordem como um bom companheiro”

Portugal Football Summit

Numa viagem através de uma das carreiras mais ricas do futebol mundial, o antigo central deixou conselhos aos mais jovens: “Trabalho, dedicação e profissionalismo”

Cerca de um ano depois de encerrar a riquíssima carreira como futebolista, Pepe, lenda da Seleção, do FC Porto e do Real Madrid voltou o ocupar o lugar de protagonista que é dele, desta feita no placo principal da Portugal Football Summit. Numa entrevista conduzida por Pedro Pinto, o central que conquistou o Europeu de 2016, três Ligas dos Campeões e vários campeonatos ao serviço do Real Madrid e do FC Porto viajou desde as origens até ao presente embalada sempre pelo mesmo espírito competitivo. Bom exemplo disso é a história que contou sobre a forma como foi recrutado pelo Marítimo com apenas 18 anos.

““Fui fazer um jogo treino, presidente do Marítimo queria levar um avançado. Disseram-me para ser suave com esse avançado e eu pensei que tinha de ser honesto e dar o máximo. Ao fim de 15 minutos desce o Nelo Vingada da bancada que me chama e pergunta: ‘Queres ir a Portugal? Porque não deixaste o avançado fazer golo? Porque sou defesa e esse é o meu trabalho’”. Pepe não nega que sempre foi intenso em campo, até por sentir que não há outra forma de encarar o jogo. “Sempre fui intenso porque acreditei que se trabalhássemos muito não perdíamos. Claro que perder também faz parte, mas é fundamental colocar a tua paixão naquilo que fazes”.

Ora, paixão é outra palavra que serve para descrever Pepe, seja pelo futebol, seja pela família, inspiração direta para uma carreira fenomenal. “Aos 18 tinha o sonho de ser jogador profissional e fazer um jogo que passasse na tv para a minha mãe poder assistir. Vim para Portugal cedo, um país que me acolheu muito bem. Os primeiros passos são sempre complicados, deixar a família para trás é muito difícil, mas a Madeira recebeu bem e deu-me muitos amigos que guardo até hoje”.

No outro extremo da carreira, a intensidade de sempre passou a exigir ainda mais. “A partir dos 30 anos comecei a reparar muito nos jovens e a aprender com eles. A absorver a sua energia e adaptá-la às minhas condições. Trabalhei com profissionalismo, com rigor, mas também com muito cuidado no descanso, na alimentação e no treino. Sabia que depois do treino tinha mais 23 horas para me poder preparar e isso é fundamental quando se chega perto dos 40 anos”. Ainda assim, o final da carreira, assinalado há cerca de um ano, não foi fácil. “Sinto que poderia ter jogado mais um ano, mas as circunstâncias não deixaram” sublinha, sem ressentimentos. “Tenho relação muito bonita com o FCP. Em 2004 fui para lá, num primeiro ano que não foi fácil. Depois ajustei-me à exigência, o clube moldou-me para a Europa e devo-lhe muito. Tal como à cidade do Porto, que me deua minha mulher e três filhos maravilhosos. Acredito que um dia possa voltar e dar um contributo ao clube e à cidade”.

O Real Madrid foi outro marco na carreira de Pepe, que lá desfrutou de uma década ao mais alto nível. “Tive essa oportunidade de estar dez anos no maior clube do mundo com uma exigência brutal. Quando eu ganhava no Real, tinha medo dessa vitoria porque três dias depois havia mais um jogo para vencer. Estar dez anos nesse registo de exigência obriga-te a aprender que cada jogo é fundamental e que é preciso manter os pés no chão”.

No livro de memórias de Pepe, o Europeu de 2016 ocupa um lugar especial, desde logo pelo apoio que a Seleção recebeu de milhares de adeptos. “Chegávamos às 4 da manhã e eles estavam lá para nos apoiar e quando nos levantávamos para treinar sentíamos essa força que eles nos davam. Havia um sentimento de responsabilidade para retribuir esse apoio”. E a Seleção retribuiu com um título histórico. “Quando chegámos àquele jogo em 2016, depois de uma época superdesgastante, sentimos que tínhamos de dar tudo. Onde eles punham o pé nós púnhamos a cabeça. Na véspera, vimos o autocarro da seleção francesa preparado para festa o dia seguinte e isso deu-nos motivação para dar tudo no dia seguinte. Começámos a ganhar o jogo nesse momento. Acredito muito no trabalho e na vontade e aí os franceses não nos podiam ganhar”.

Por essa altura, já a relação com Cristiano Ronaldo estava consolidada. “Eramos dois líderes e o o líder não impõe uma lei aos colegas, lidera pelo exemplo. E tanto eu como ele demos exemplo nos horários, na alimentação, no descanso, na vontade de ganhar sempre”.

Fora dos relvados há um ano, Pepe mantém a intensidade de sempre em tudo o que faz. “Essa parte da personalidade nunca se perde”, garante, explicando que ainda não sente saudades do futebol. “Agora ando um pouco de bicicleta e o ciclismo dá isso, é uma guerra com a bicicleta. Num desporto coletivo um erro é partilhado por todos. Na bicicleta és só tu, é uma luta contigo. Encontrei esse espaço para lutar comigo e mantenho-me ativo. Claro que o futebol nunca sai da minha essência e acredito que sou uma mais-valia para ajudar os jovens, por exemplo”.

De resto, a reforma também trouxe coisas boas. A começar pelo tempo. “Quando estamos nessa trituradora do futebol, as coisas passam sem darmos conta. Agora que deixei o futebol, ser dono do meu tempo é muito valioso e estou focado em ser pai e a desfrutar bastante”. Um prémio justo para uma lenda que gostaria de ser recordado, sobretudo, “como um bom companheiro”. “Fui alguém que sempre tentou ajudar os outros a darem o seu melhor. Tentei liderar pelo exemplo e essa é a melhor forma de inspirar um companheiro”.


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